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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Palmares depois da enchente...

REPORTAGEM



PALMARES: A AGONIA DE UMA CIDADE EM RUINAS





TEXTO DE DANIEL GUEDES

Só se sabia que hoje era dia de jogo do Brasil por conta das bolas de festa amarelas e azuis em meio aos destroços. Neste domingo, Palmares, município da Zona da Mata a 120 quilômetros do Recife, só conseguia saber daquilo que estava ao alcance de todos os sentidos: destruição.

Depois que a água da chuva e da enchente desceu, surgiu o cenário que só se imagina ver depois de uma guerra ou de um terremoto. A cidade de 56.643 habitantes está destruída.

Por todo lado há lama, lixo, animais mortos, comida podre e drama. Drama de quem perdeu absolutamente tudo. Drama de quem não contém as lágrimas. Drama de quem já não consegue chorar. De quem só é capaz de olhar literalmente para o nada e se perguntar: por onde recomeçar?

A resposta é difícil e, se realmente existir, deve estar debaixo das pedras, da terra e da sujeira.
Andar por Palmares só se for enfiando fundo os pés na lama. É humanamente necessário parar a cada esquina. Cada morador quer contar sua história, dividir sua dor. Cada um, nativo ou visitante, precisa olhar e refletir por um tempo para acreditar que  realmente aquilo tudo é verdade.

Diante de supermercados destruídos, mãos nervosas de crianças catam iogurtes na lama. Encontradas as embalagens sujas e  obviamente mal conservadas, basta lavá-las na água barrenta e pronto. Está garantantido o que, durante sabe-se lá quanto tempo, será uma refeição de luxo numa terra em que tudo está perdido.

Logo na entrada da cidade, a ambulante Maria José de Lira, 37 anos, só consegue chorar. Na casa onde vivia com os dois filhos e o marido, só se conjuga verbo no passado. Nada sobrou, senão algumas paredes. Para onde ir? Ela não sabe. “Vamos ter que derrubar tudo e começar do zero, não é? O que fazer? Na quinta-feira, quando a água começou a subir, colocamos tudo no forro do teto. Mas a água chegou até lá. Não deu para levar nada. A roupa que estou usando foi doada. Não temos nada”.

O comerciante José Alain Melo e Silva, 40, vai arcar com o prejuízo dos eletrodomésticos que venderia e com o dos clientes que deixaram aparelhos para consertar. “Perdi tudo. Não consegui salvar absolutamente nada. Calculo meu prejuízo em R$ 30 mil”, diz, misturando a lama do rosto com lágrimas.

Continuar andando pela cidade é ver - e sentir - ainda mais desgraça. O mau cheiro aumenta na proporção em que animais mortos e comida podre emergem na lama.

Para quem não conhece a cidade saber que nos últimos 60 anos existia na Rua Visconde do Rio Branco o Ginásio Municipal Fernando Augusto Pinto Ribeiro só é possível porque se consegue ver as bancas no meio dos escombros. Mais de 1.500 alunos do ensino infantil ao superior vão ter que interromper o aprendizado por muito tempo.


Em frente à prefeitura, a Praça Ismael Gouveia ganhou um lago barrento de cinco metros de profundidade. O chão se abriu. As águas do Rio Una arrastaram para a vala um carro de passeio e uma carreta, da qual, de cabeça para baixo, só se vê metade das rodas.

Na mesma praça, os postes e as árvores foram arrancados. As casas que restaram de pé têm lixo pendurado no piso superior. A fiação elétrica virou um varal de todo tipo de objetos: camas, cadeiras, colchões, sacolas, plantas… Numa ironia trágica, um troféu também estava pendurado, sabe-se lá que vitória comemorando.

O mototaxista Fernando Pereira, 45, que cresceu ali, viu tudo se desfazer em instantes. Ainda conseguiu salvar a vida de vizinhos. “Consegui resgatar algumas pessoas. Peguei uma senhora de 97 anos de cadeira de rodas. Levantei ela pelos braços. Ajudei outra senhora, quatro crianças e até um bombeiro”, orgulha-se, no meio da tragédia.

Dando a volta na praça, chega-se à beira do agora calmo Rio Una. Querer encontrar algo de pé por lá é pedir muito. Durante sua quinta-feira de fúria, o rio carregou de suas margens, sem piedade, caminhões, parte da igreja e da Câmara Municipal e dezenas de casas. Uma delas foi a do fabricante de colchões Luiz Bento da Silva, 66, que há 30 anos mora naquele local e já passou pelas cheias de 1975 e de 2000. Mas nenhuma foi como a de 17 de junho de 2010. Desta vez, apenas a parede da cozinha aguentou. Engana-se quem pensa que depois dessa ele vai juntar o que conseguiu salvar e abandonar seu intempestivo vizinho caudaloso. 

“Assim que puder eu volto para cá. Vou construir minha casa de novo. Não tenho para onde ir. Vivo com um salário mínimo, meu filho”.

E assim, aos poucos, os moradores vão varrendo, lavando, escovando, catando. Em silêncio, tentam trazer à vida uma cidade que foi violentada e por algum tempo será apenas ruínas.


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Fonte: Blog do Jornal da Besta Fubana.
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